Mas por vezes lá vinha a saudade de um “Bife à Café” - prato que sempre apreciei medianamente, mas camaradagem obriga - e lá subíamos nós as escadinhas do Duque, até á Cervejaria Trindade, onde nos aguardava uma carne, à altura tenra e bem temperada, submersa no espesso molho, onde íamos gulosamente afogando as batatas fritas. Todo o petisco regado pela cerveja à pressão. Que não era nada de assinalável, em termos de qualidade. Mas...
Foi por esses anos que travei conhecimento com uma figura bizarra que tinha lugar cativo e solitário numa das mesas de entrada da cervejaria. Um homem de meia idade, ar severo de olhar atento. À sua volta, um número incontável de garrafas de cerveja, e á frente uma “girafa” cheia com cerveja preta.
Li há uns tempos, não recordo já onde, que a tal figura era dono de uma livraria vizinha da cervejaria, e que terá morrido há um par de anos. Também que, nos seus tempos áureos, o livreiro chegara a beber 14 litros de cerveja por dia, facto que, apesar do conhecimento que tinha dele, não deixou de me surpreender, e que ajudou a fazer dele um auutêntico mito urbano. Depois, pensei que com ele terá morrido um pouco de uma Lisboa de outros tempos, que começara a definhar com o incêndio do Chiado, o advento dos centros comerciais e o florescer dos abomináveis fast-food.
Confesso que sempre tive alguma curiosidade sobre o homem, e principalmente suscitava-me a dúvida sobre se, com aquela surpreendente quantidade de cerveja ingerida, e sabendo-se como o excesso de álcool adormece os sentidos, ainda lhe restaria gosto para saborear o precioso líquido. Gostaria o extraordinário senhor realmente de cerveja?
Desde que comecei a apreciar cerveja, e por respeito para com ela, decidi que em momento algum, e além de uma escolha quase escrupulosa da qualidade daquilo que bebo - posso afirmar que só uma ou duas vezes condescendi em repetir a degustação de uma cerveja que à primeira me desagradara - também não excederia a quantidade de bebida necessária a uma apreciação o mais cuidada possível. Embota-se o gosto com o excesso, e que resta então para se apreciuar o que vem a seguir? Claro que para algumas pessoas, isto parecerá um pouco radical, é quase como que fazer de cada degustação, um momento especial e nunca um hábito
Que seja. Mas só assim consigo entender a minha relação com a extraordinária bebida.
Etiquetas: Cervejaria Trindade, Locais de Cerveja
At 18 de outubro de 2007 às 22:40, galvao99
a qualidade gastronomica da trindade veio por aí abaixo na ultima decada.a ultima vez que la fui, ha cerca de 7 anos, jurei para nunca mais. à baixa de qualidade da comida, aliou-se a alta dos preços. anos 80 foram tempos áureos da casa, e ainda recordo momentos da adolescencia bem passados por la.
restaurantes de qualidade em lisboa continuam a existir, embora o excesso de azáfama durante a semana retire algum do prazer de os frequentar. costumo almoçar num chamado nova america, que fica em entrecampos, que peca, exactamente, pelo mau serviço e muito fumo mas que prima pela qualidade dos pratos. nao se pode ter tudo...
At 19 de outubro de 2007 às 10:35, DJ Bruto
Actualmente a Trindade acaba por ser apenas mais um ponto no roteiro turístico que os agentes de viagens elaboram para quem visita Lisboa. E os donos do restaurante, aproveitando tal facto, aumentaram os preços de modo exponencial, acto que não foi acompanhado por um acréscimo na qualidade da comida, antes pelo contrário.
Aliás, será curioso verificar que a própria designação de Cervejaria já não se aplica a este local, em virtude de muito dificilmente se poder pedir uma cerveja e ir descansado bebê-la para uma mesa. Nem há pessoas a beber cerveja ao balcão. O objectivo é vender marisco e bifes aos turistas. Quem quiser uma cerveja e um prato de tremoços vai ter de ir à tasca ao lado. Apesar de, como o Vic diz, a cerveja nunca ter sido nada de especial, que saudades dos tempos da bohemia original...