quarta-feira, 7 de novembro de 2007
Nunca conheci ninguém com uma “mão” para cozinhar como a minha madrinha. Nem nos bons restaurantes. Pelo que conheci, era o seu dom, tal como o mau feitio, a roçar o irascível.
Mas até uma certa altura da minha vida, digamos, aí os 14 ou 15 anos, o meu paladar não estava muito educado, era o que se chamava então “esquisito de boca”. As minhas preferências iam do bife com batatas fritas, passavam pelo ovo estrelado e esgotavam-se em toda a casta de doces. Pouco mais. De forma que até essa altura, nunca entendi muito bem o porquê da satisfação de toda a família, quando ela se dignava a convidar todos a sentar-se à sua enorme mesa, e a partilhar um dos seus jantares. Que ela fazia questão de fazer sem intervenção de mais ninguém, desde a canja de pombo ou de galinha caseira, até ao pudim de flã, passando pelo peixe no forno, o lombo assado ou os borrachos estufados com arroz de cenoura e esparregado. Para mal dos meus pecados, quando resolvi os meus problemas de palato, era ela já demasiado velha para eu apreciar convenientemente os seus dotes. Felizmente, o meu pai foi um aluno brilhante, e muita daquela espécie de magia que fazia com que mesmo um simples bacalhau cozido ou um arroz branco, soubessem como nenhum outro.
Nos últimos anos de vida, o meu pai era praticamente o cozinheiro de serviço na casa dele (excepto doces, que se recusava a fazer). Almoços e jantares que ele fazia sempre a barafustar baixinho como se falasse com ele próprio e aquilo fosse um sacrifício, quando todos sabíamos do prazer que ele tinha em nos ouvir gabar-lhe o mister. Elogios que ele ouvia com um meio sorriso como que a dizer aos "clientes" menos habituais: “Comam, que coisas dessas não vos passam todos os dias pelo estreito”.
E ao contrário de muitos cozinheiros, ele era o primeiro apreciador dos seus petiscos, que acompanhava invariavelmente com um vinho tinto, a sua bebida de eleição para carnes, peixes ou sobremesas. Penso que se algum dia tivesse tido a lata de lhe sugerir acompanhar um prato qualquer com uma cerveja - bebida que só lhe servia nas tardes quentes de verão, e muito raramente - ele olharia para mim espantado e consideraria tal uma extravagância da minha parte.
Veio-me tudo isto à lembrança por causa da cerveja que hoje me calhou saborear, uma “Biére des Ours”, mais um produto da brasserie de la Binchoise. È que provavelmente, esta cerveja também será, em qualquer situação, considerada também ela uma extravagância, por muitos cervejeiros indefectíveis.
Ora isso tem uma explicação fácil. É que a cerveja tem este nome curioso, porque da sua composição faz parte, natuuralmente, o mel. E ainda há quem desconfie desta coisa de acrescentar elementos “estranhos” à formula tradicional da cerveja.
Mas nestas coisas, não sou nada fundamentalista, e não me incomodam nada estas “modernices”. Gosto de Ales, Stouts ou Lagers, e gosto de cervejas com sabor a framboesa ou a pêssego. Ou a mel. Não gosto é de más cervejas.
Mas falando desta, diga-se que a presença no copo, é magnífica. Uma espuma “à la Duvel”, enorme, uma mousse que não se esgota enquanto durar a cerveja. E desta, solta-se o inconfundível cheiro a mel. O corpo é de um alaranjado levemente tostado, efervescente quanto baste, e o sabor, corresponde àquele aroma muito especial, um adocicado bem temperado com especiarias, e na boca uma presença suave que se esvai pela garganta, mas que se mantém a flutuar nas paredes da boca e na língua com uma teimosia que só lhe fica bem. O mel, sempre presente, mas do álcool - 8,4º Abv que se anunciam no rótulo - nem sombra, o que dá uma ideia da qualidade e equilíbrio desta excelente cerveja.
Mas até uma certa altura da minha vida, digamos, aí os 14 ou 15 anos, o meu paladar não estava muito educado, era o que se chamava então “esquisito de boca”. As minhas preferências iam do bife com batatas fritas, passavam pelo ovo estrelado e esgotavam-se em toda a casta de doces. Pouco mais. De forma que até essa altura, nunca entendi muito bem o porquê da satisfação de toda a família, quando ela se dignava a convidar todos a sentar-se à sua enorme mesa, e a partilhar um dos seus jantares. Que ela fazia questão de fazer sem intervenção de mais ninguém, desde a canja de pombo ou de galinha caseira, até ao pudim de flã, passando pelo peixe no forno, o lombo assado ou os borrachos estufados com arroz de cenoura e esparregado. Para mal dos meus pecados, quando resolvi os meus problemas de palato, era ela já demasiado velha para eu apreciar convenientemente os seus dotes. Felizmente, o meu pai foi um aluno brilhante, e muita daquela espécie de magia que fazia com que mesmo um simples bacalhau cozido ou um arroz branco, soubessem como nenhum outro.
Nos últimos anos de vida, o meu pai era praticamente o cozinheiro de serviço na casa dele (excepto doces, que se recusava a fazer). Almoços e jantares que ele fazia sempre a barafustar baixinho como se falasse com ele próprio e aquilo fosse um sacrifício, quando todos sabíamos do prazer que ele tinha em nos ouvir gabar-lhe o mister. Elogios que ele ouvia com um meio sorriso como que a dizer aos "clientes" menos habituais: “Comam, que coisas dessas não vos passam todos os dias pelo estreito”.
E ao contrário de muitos cozinheiros, ele era o primeiro apreciador dos seus petiscos, que acompanhava invariavelmente com um vinho tinto, a sua bebida de eleição para carnes, peixes ou sobremesas. Penso que se algum dia tivesse tido a lata de lhe sugerir acompanhar um prato qualquer com uma cerveja - bebida que só lhe servia nas tardes quentes de verão, e muito raramente - ele olharia para mim espantado e consideraria tal uma extravagância da minha parte.
Veio-me tudo isto à lembrança por causa da cerveja que hoje me calhou saborear, uma “Biére des Ours”, mais um produto da brasserie de la Binchoise. È que provavelmente, esta cerveja também será, em qualquer situação, considerada também ela uma extravagância, por muitos cervejeiros indefectíveis.
Ora isso tem uma explicação fácil. É que a cerveja tem este nome curioso, porque da sua composição faz parte, natuuralmente, o mel. E ainda há quem desconfie desta coisa de acrescentar elementos “estranhos” à formula tradicional da cerveja.
Mas nestas coisas, não sou nada fundamentalista, e não me incomodam nada estas “modernices”. Gosto de Ales, Stouts ou Lagers, e gosto de cervejas com sabor a framboesa ou a pêssego. Ou a mel. Não gosto é de más cervejas.
Mas falando desta, diga-se que a presença no copo, é magnífica. Uma espuma “à la Duvel”, enorme, uma mousse que não se esgota enquanto durar a cerveja. E desta, solta-se o inconfundível cheiro a mel. O corpo é de um alaranjado levemente tostado, efervescente quanto baste, e o sabor, corresponde àquele aroma muito especial, um adocicado bem temperado com especiarias, e na boca uma presença suave que se esvai pela garganta, mas que se mantém a flutuar nas paredes da boca e na língua com uma teimosia que só lhe fica bem. O mel, sempre presente, mas do álcool - 8,4º Abv que se anunciam no rótulo - nem sombra, o que dá uma ideia da qualidade e equilíbrio desta excelente cerveja.
E o meu pai, que só usava mel para curar constipações.
Etiquetas: Biére des Ours